terça-feira, 22 de julho de 2014

Tratado do amor de Deus


Disse-lhe Jesus: «Maria!» Ela, aproximando-se, exclamou […]: «Rabbuni!»
Quem ama verdadeiramente, quase não tem prazer senão na coisa amada. Assim, todas as coisas pareciam esterco ao glorioso São Paulo, em comparação com o seu Salvador (Fil 3,8). E a esposa [do Cântico dos Cânticos] é toda para o seu bem-amado: «O meu amado é meu e eu sou dele. […] Vistes o amado da minha alma?» (2,16; 3,3) […]


A gloriosa amante Madalena depara com os anjos no sepulcro, e estes ter-lhe-ão falado em tom angélico, isto é, com suavidade, a fim de apaziguarem o tormento em que se encontrava. Mas ela, chorosa, não encontrou consolo nem nas suas palavras doces, nem no esplendor das suas vestes, nem na graça celeste do seu porte, nem na beleza amável do seu rosto. Pelo contrário, lavada em lágrimas, dizia: «Levaram o meu Senhor e não sei onde O puseram.» Voltando-se, viu o Salvador, mas sob o aspecto de jardineiro, com o qual o seu coração não podia contentar-se. Porque, cheia da morte do seu Senhor, não deseja flores, pelo que o jardineiro lhe é indiferente; tem no coração a cruz, os cravos, os espinhos, e procura o seu Crucificado: «Meu caro jardineiro, diz-lhe, se por acaso plantastes o meu bem-amado Senhor trespassado, qual lírio amachucado e seco, entre as vossas flores, dizei-me depressa, que eu irei buscá-Lo.»


Mas, quando Ele a trata pelo nome, derretida de prazer, exclama: «Deus, meu Senhor!» […] E, para melhor glorificar este soberano Bem-Amado, a alma «busca sempre a sua face» (Sl 104,4), ou seja, procura com atenção sempre mais cuidadosa e ardente conhecer todas as particularidades das belezas e perfeições que há nele, progredindo sempre nesta doce busca de motivos que a levem continuamente a deleitar-se sempre mais na incompreensível beleza que ama.


São Francisco de Sales (1567-1622), bispo de Genebra, doutor da Igreja
Tratado do amor de Deus, 5, 7

Nenhum comentário:

Postar um comentário