Órfãos ou discípulos
Com a oração do Pai-Nosso Jesus confia a cada um o ato de paternidade: ninguém é órfão mas corremos o risco de o ser se fecharmos o coração e não nos deixarmos atrair pelo amor de Deus. Recordou Francisco na missa celebrada na manhã de terça-feira, 19 de abril, em Santa Marta. E o Papa sugeriu também que se recorra a uma oração humilde, com o espírito de filho: «Pai, atrai-me para Jesus; Pai, leva-me a conhecer Jesus». Precisamente para não ter a atitude daqueles doutores da lei que até diante dos milagres de Jesus e da sua ressurreição faziam tudo para negar a evidência.
Para a sua meditação, Francisco inspirou-se no trecho de João (10, 22-30), proposto pela liturgia. «Jesus confronta-se mais uma vez com os sacerdotes, os doutores da lei» observou. E «eles perguntaram-lhe: “Até quando nos deixarás na incerteza? Se tu és o Cristo, di-lo claramente”». De resto, aqueles doutores «voltavam sempre ao mesmo tema: “quem és tu? Com que autoridade fazes isto?”». O Evangelho diz-nos que «Jesus lhes respondeu: “Eu vo-lo disse, mas não credes. As obras que faço em nome de meu Pai dão testemunho de mim. Entretanto, não credes”».
Não acreditavam, no entanto «viram muitas coisas, muitos milagres». E assim «quando Jesus curou o cego de nascença – no capítulo nove do Evangelho de João – fizeram todas as pesquisas possíveis e imagináveis: chamaram os pais, os conhecidos, o próprio cego; depois, outra vez...». Por fim «esclareceu-se que era um cego de nascença, mas não acreditaram». Então «Jesus pronuncia algumas palavras sobre a cegueira espiritual: eles, que acreditavam ver, os ilustres que sabiam tudo – a lei inteira – não viam porque eram eles os cegos, os cegos de nascença».
«Mas não credes» diz Jesus aos doutores da lei. E explica porque: eis aqui também «a novidade deste trecho do Evangelho» afirmou o Papa. «não credes, porque não sois minhas ovelhas» diz o Senhor. Substancialmente, prosseguiu Francisco, alguém poderia pensar que «para crer devo dizer “creio” e entro no rebanho de Jesus». Mas não é assim, «é o contrário: só quem faz parte das ovelhas de Jesus pode acreditar».
Confirmam-no as palavras escritas por João no Evangelho: «As minhas ovelhas ouvem a minha voz, eu conheço- as e elas seguem-me. Eu dou-lhes a vida eterna; elas jamais hão de perecer, e ninguém as roubará da minha mão». Mas, afirmou o Pontífice, «estas ovelhas estudaram para seguir Jesus e depois acreditaram? Não». A resposta definitiva é dada pelo próprio Jesus: «Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém as pode arrebatar da mão de meu Pai». É precisamente «o Pai que dá as ovelhas ao pastor; é o Pai que atrai os corações para Jesus». É o Senhor que o confirma com clareza: «Ninguém vem a mim senão pelo Pai». E «este povo, que são as ovelhas de Jesus, foram atraídas pelo Pai, deixaram-se atrair».
«Contudo – observou Francisco – os doutores da lei tinham o coração fechado, sentiam-se donos de si mesmos mas, na realidade, eram órfãos porque não mantinham uma relação com o Pai». É verdade, «falavam dos seus pais – o nosso pai Abraão, os patriarcas – mas como personagens distantes». Porém «no seu coração eram órfãos, viviam numa condição de órfãos e preferiam-na em vez de se deixar atrair pelo Pai».
Estamos diante – afirmou o Papa – do «drama do coração fechado destas pessoas: elas acreditavam que tinham sido criadas por si sós porque sabiam tudo e, por conseguinte, o seu coração era incapaz de acreditar, porque não se deixavam atrair pelo Pai a Jesus e por isso não faziam parte das ovelhas de Jesus». Este «drama continua até ao Calvário». E «também no dia da ressurreição: quando os soldados vão dizer-lhes o que tinha acontecido, como reagem? Inventam uma boa desculpa: “Dizei que vos tínheis adormecido e que os discípulos roubaram o corpo”». Assim «colocam a mão no bolso», segundo «o princípio do suborno: “Tu calas-te e eu pago-te para te calares”».
Portanto «nem sequer diante daquela prova, daquelas testemunhas que tinham visto a ressurreição – frisou Francisco – deixaram-se atrair pelo Pai a Jesus». Por isso «não podem acreditar, porque não são ovelhas de Jesus: são órfãos», «rejeitaram o seu Pai».
Referindo-se à primeira leitura, tirada dos Atos dos Apóstolos (11, 19-26), o Papa afirmou que se pode reconhecer «a atitude oposta: os discípulos, depois da perseguição que tinha iniciado em Jerusalém com a morte de Estêvão, chegaram à Fenícia, Chipre e Antioquia, e proclamavam a palavra aos judeus: alguns acreditavam, outros não, mas a fé progredia». Entretanto «alguns deles começaram a pregar, a anunciar Jesus Cristo também aos pagãos, aos gregos, e isto significava uma forte mudança: era a transformação da sua ideia de acesso à salvação».
Por isso, prosseguiu o Pontífice, «os discípulos que permaneceram em Jerusalém sentiram medo e enviaram Barnabé a Antioquia». E quando Barnabé «chegou lá pela graça de Deus, alegrou-se e exortava todos a permanecer com o coração firme, fiéis ao Senhor. Aceitou a novidade, porque se deixou atrair pelo Pai a Jesus que desejava isto».
«Jesus convida-nos a ser seus discípulos – explicou o Papa – mas para isto devemos deixar-nos atrair pelo Pai a ele». E «a oração humilde do filho, que podemos recitar, é: “Pai, atrai-me para Jesus; Pai, leva-me a conhecer Jesus”». E «o Pai enviará o Espírito a abrir-nos os corações e levar-nos-á a Jesus». Com efeito «o cristão que não se deixa atrair pelo Pai a Jesus é um cristão que vive em condição de órfão; nós temos um Pai, não somos órfãos». Concluindo, Francisco sugeriu que nos dirijamos «ao Pai como nos ensinou Jesus – “Pai nosso, que estais no céu...” – e peçamos a graça de sermos atraídos para Jesus».
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