quarta-feira, 27 de abril de 2016

Lições adventistas


O mal dos fariseus

Texto de Karyne M. Lira Correia

Há pelo menos duas décadas eu ouço a palavra ‘fariseu’ ser utilizada em tom pejorativo. Na igreja em que cresci, ela costumava ser utilizada por jovens para criticar os membros mais conservadores da igreja. Aos 19 anos, percebi que não se tratava de um “adjetivo” para o conservadorismo, mas para qualquer pessoa que defendesse as Reformas espirituais, pastores ou leigos, ou que pregasse sobre determinada coisa ser certa ou errada (independente de como pregasse).
Desde que comecei a estudar sobre Reavivamento e Reforma, sempre tive comigo o receio de ser “fariseu”. Isto porque a mensagem de reforma com que tive contato durante a infância e adolescência era a mensagem de saúde, e ela era passada de uma forma nada atrativa. Ao contrário, eu sentia repulsa por esta mensagem e cheguei a afirmar que nunca me tornaria vegetariana. Agora que eu estava estudando e iniciando minha caminhada nas reformas espirituais, o fantasma dos “fariseus” do passado me assombravam.
Mais alguns anos se passaram, e eu finalmente entendi qual era o problema dos fariseus. Ser fariseu, em si, não era problema. O grande problema deles foi apontado por Jesus em Mateus 23:2 e 3:
“Dizendo: Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus. Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem;”
Jesus afirma que as coisas que os fariseus diziam deviam ser feitas – “observai-as e fazei-as”. O problema não estava então no que eles diziam que se devia ou não devia fazer. O problema, aparentemente, não eram as regras que eles defendiam. O mal dos fariseus era sua própria vida – “não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem”. Eles pregavam aquilo que não viviam. Por isso, em outra ocasião eles foram chamados por Cristo de hipócritas (Mateus 15:7) – “Este povo se aproxima de mim com a sua boca e me honra com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim.”Mateus 15:8
Ainda no capítulo 23, se continuarmos lendo, veremos que eles gostavam de aplausos, de ser bem vistos, de aparentar serem do bem, viverem em retidão, quando na verdade, no íntimo de sua vida aquilo não era real assim. Eles tinham muito discurso, muita pose, mas pouca fidelidade de fato.
Eles também pareciam não compreender o espírito da lei. Cumpriam as formalidades que a lei (moral e cerimonial) exigia, mas não cumpriam a lei de fato, porque a lei não se encerra em suas formalidades. “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir aquelas.” Mateus 23:23. Jesus foi claro em dizer “deveis, porém, fazer estas coisas” (o que é próprio do espírito da lei) “e não omitir aquelas” (as formalidades, os detalhes da lei)

Um problema atual

Infelizmente, o mal dos fariseus continua existindo, e todos corremos o risco de sofrer desse mal. Isso porque pregar é mais fácil que viver. Querer que os outros mudem é mais fácil do que mudarmos a nós mesmos. É mais fácil aconselhar do que seguir conselhos.
Recentemente várias pessoas se manifestaram nas redes sociais contra a morte de milhares de cachorros que seriam comidos num festival chinês. Algo que me chamou a atenção na ocasião foi que muitos dos que se indignaram contra o costume chinês (e que pude ler as manifestações de indignação através do meu facebook) são carnívoros. Apenas uma pessoa indignada, dos meus contatos, não come carne, mas usa outros produtos de origem animal que são extraídos a custa de sofrimento animal também. Tenho alguns amigos veganos, e não me recordo de ter visto qualquer manifestação de indignação da parte deles. Aquelas pessoas, movidas por paixão, se queixaram dos chineses, enquanto elas mesmas são cúmplices da morte de milhares de perus na época do Natal, e de centenas de outros animais ao longo do ano (li uma crítica nesta direção, em um site de notícias, e achei bem coerente). Talvez não perceberam que, à semelhança dos fariseus, estavam criticando algo que elas mesmas fazem. É mais fácil querer mudar a China do que mudarmos a nós mesmos!
É mais fácil, também, querer que meu irmão me ame e me aceite, do que amá-lo e aceitá-lo. Uma moça estava se queixando com alguns amigos que o povo da igreja não ama quem é diferente, que sendo adventista, só porque ela usava jóias, isso e aquilo outro, as pessoas a “julgavam”. Depois de alguns minutos ouvindo este discurso, um de seus amigos a questionou se era apenas os que usavam jóias, isso e aquilo que deveriam ser aceitos e amados. Questionou se ela amava e aceitava as irmãs que não usam calça comprida, que só usam saia abaixo do joelho, que seguem uma dieta vegetariana estrita, etc… Houve silêncio, e o assunto mudou.
Isto se repete na igreja em diversas áreas. A pessoa prega sobre modéstia, mas ela mesma não segue os princípios de modéstia cristã. Prega sobre reforma de saúde, mas ela mesma mantém seus pecados acariciados em relação ao apetite. Prega sobre fidelidade nos dízimos e nas ofertas, mas é mesquinha em doar para a igreja parte dos recursos que O Senhor lhe deu no fim do mês. Prega sobre amor ao próximo, mas não é tolerante com quem pensa diferente, ou guarda rancor contra o irmão. E para cada detalhe da vida cristã, teremos exemplos do “faça o que eu digo mas não faça o que eu faço”. E não me refiro aqui a quem prega algo e eventualmente cai. Este não era o problema dos fariseus – uma queda eventual, para a qual João escreveu a solução (I João 2:1). Refiro-me ao não praticar, como hábito voluntário, aquilo que está pregando.

Uma solução antiga

Foi a um fariseu que Cristo disse: “Necessário vos é nascer de novo.” João 3:7. Essas são palavras profundas. São estas as palavras que o Senhor tem para cada ser humano que sofre deste mal, para cada um de nós.
Nascer de novo não é dar uma melhoradinha em quem eu era antes. Nascer de novo é sinônimo de mudança total.
“A vida cristã não é uma modificação ou melhoramento da antiga, mas uma transformação da natureza. Tem lugar a morte do eu e do pecado, e uma vida toda nova. Essa mudança só se pode efetuar mediante a eficaz operação do Espírito Santo.” Mensagens aos Jovens, pág. 157.
Só podemos nascer de novo pela operação do Espírito Santo. Esta não é uma obra que podemos fazer por nós mesmos. É uma obra que devemos aceitar que o Espírito faça em nós.
Saul era um rei que, à semelhança dos fariseus, se detinha nas formalidades (especialmente para justificar seus pecados). A ele Samuel disse que “obedecer é melhor do que sacrificar” (I Samuel 15:22). Lendo a história de Saul em Patriarcas e Profetas, me deparei com o seguinte texto: “Mas saul estava tão satisfeito consigo mesmo e com sua obra, que saiu ao encontro do profeta como alguém que devesse ser elogiado em vez de reprovado.” (pág. 618). Ele havia cometido um pecado voluntário atrás do outro, movido por orgulho, e ainda desejava ser elogiado em vez de reprovado. Quão dispostos estamos a aceitar a reprovação de nossos atos? O Espírito de Deus nos mostra onde erramos, seja através da Bíblia, dos Testemunhos, de outras pessoas, ou falando diretamente à nossa mente. Mas precisamos estar dispostos a reconhecer que estamos errados para que Ele possa efetuar a obra de transformação.
O rei que substituiu Saul foi chamado “homem segundo o coração de Deus”. Sobre ele, o Espírito de Profecia declara:
“Então Ele chamou ao trono “um homem segundo o Seu coração” (I Sam. 13:14); não um que fosse irrepreensível em seu caráter, mas que, em vez de confiar em si, confiaria em Deus, e seria guiado por Seu Espírito; que, ao pecar, sujeitar-se-ia à reprovação e correção.” (Patriarcas e Profetas, pág. 636)
Como disse anteriormente, todos estamos sujeitos a sofrer do mal dos fariseus. Contudo, isto não é o fim! Jesus tem a solução! O Espírito Santo está ansioso por transformar-nos em nova criatura. Que possamos nos sujeitar à reprovação e correção, a fim de experimentarmos plenamente o poder transformador da graça de nosso Senhor Jesus Cristo.

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