sábado, 18 de abril de 2015

Sair da zona do conforto



Antes ele tinha dois empregos. Percorria a cidade de táxi, enfiado em um terno apesar do quase 40 graus, pois a conveniência do cargo exigia esse diferencial. Ao entrar em algum escritório para negociar o produto de sua empresa precisava, antes de tudo, mostrar que vinha de uma instituição séria e sólida, embora o salário, de verdade, não fosse o ideal. Tinha de batalhar muito, formar uma boa clientela, muitas vezes mantida na base de almoços caros e formação de uma quase "amizade".

Primeiro veio a crise inicial e perdeu um dos empregos. Tentou, de alguma forma, se agarrar no que tinha. Não conseguiu abrir mão do padrão de vida, pois seria reconhecer que tinha sido levado às cordas como um lutador de box surpreendido pelo adversário. Era uma questão de honra para si próprio e principalmente para os outros (vizinhos, amigos e parentes). Passou a viver pelas aparências. As dívidas se acumularam. A crise aumentou e ele que se achava imprescindível na empresa, quando via outros do lado sendo demitidos, certa manhã ao chegar ao trabalho foi surpreendido com o aviso para se encaminhar a tesouraria. O dono da empresa, do qual se considerava amigo, preferiu viajar para outra cidade a fim de não ser encontrado e fugir talvez de sua possível lamúria.

Viu-se na rua e com uma indenização nas mãos que mal deu para honrar alguns compromissos, pois, a empresa sempre trabalhou com o sistema de caixa dois e na hora que foi mandado embora verificou que seu Fundo era abaixo do que esperava.
Triste realidade. Muitos dos "amigos" sumiram. O casamento desmoronou. Viu-se isolado e foi morar em um bairro pobre do subúrbio. Enviou currículo para empresas e procurou alguns antigos contatos com os quais almoçava frequentemente. Todo mundo choramingou queixando-se da crise.

Quando chegou ao fundo do poço, na solidão do quarto desmoronou em lágrimas e invocou o Deus tão esquecido durante anos e anos. Aquele mesmo Deus que sua mãe e avó ensinaram para que orasse na hora de dormir e acordar, pedindo saúde e paz em sua vida.
Como uma simples criança procurou buscar no fundo do coração palavras simples, pedindo socorro e proteção.
Foi em busca de um amigo verdadeiro que sabia ter e durante a fase da falsa abundância fora deixado de lado.

Decidiu se reinventar. Viver estritamente com o pouco que tinha ainda da indenização e do emprego novo, finalmente, obtido mas com salário cinco vezes menor que a renda anterior.

A vantagem era de ser próximo de casa e não exigir os ternos agora encostados a um canto de um velho armário, como uma roupa que não lhe serve mais.

Dormia agora ouvindo a pá barulhenta de um velho ventilador e procurava afastar os mosquitos do quarto. Não tinha mais empregada e nem alguém para passar suas roupas. Passou a viver de maneira mais simples. E criou o hábito de toda a noite e ao acordar conversar com esse amigo que misteriosamente passou a tocar o seu coração.

Começou a ver que estava se transformando em uma nova pessoa e gostou dessa modificação. Aos pouquinhos foi saldando suas dívidas e não fazendo novas. Não mais bebidas, refrigerantes e cigarros. Uma alimentação mais leve e saudável e mais econômica. Novos amigos mais simples e sinceros.
Podia apostar que nascia nele um coração novo. E isso ficou evidente quando corria fugindo do temporal na volta para casa sem saber se a água a escorrer no rosto eram os pingos da chuva ou as lágrimas de sua imensa alegria por ter saído da zona do conforto.

"Na minha angústia invoquei o Senhor, gritei por socorro ao meu Deus. Do seu templo Ele ouviu a minha voz, e o meu clamor lhe penetrou os ouvidos".
Salmo 18


Texto: Mauricio Figueiredo

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