segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Os perigos do sectarismo

SERMÕES DE JOHN WESLEY
(1703 – 1791)
ADVERTÊNCIA CONTRA O SECTARISMO
“Disse-lhe João: Mestre, vimos um homem que não nos segue, expelir demônios em teu nome e lho proibimos, porque não nos seguia. Mas Jesus respondeu: Não lho proibais.”
(Marcos 9.38, 39)
1. Lemos nos precedentes versículos que, após terem estado os doze em disputa sobre “qual deles seria o maior, Jesus, tomando um menino, disse-lhes: Aquele que receber um destes meninos em meu nome, a mim é que recebe; e aquele que me recebe, não me recebe a mim” somente, “mas Aquele que me enviou”. Então “João respondeu”, isto é, disse, em referência ao que nosso Senhor acabava de ensinar: “Mestre, vimos um homem que não nos segue, expelir demônios em teu nome, e lho proibimos, porque ele não nos seguia”. É como se ele houvesse dito: “Devíamos tê-lo recebido? Recebendo-o, teríamos recebido a ti? Não devíamos antes tê-lo impedido? Fizemos bem nisso?” “Mas Jesus disse: Não lho proibais.”
2. A mesma passagem é repetida por S. Lucas, quase nas mesmas palavras. Pode-se, porém, perguntar: “Que tem isso conosco, uma vez que no presente ninguém expulsa demônios? O poder de fazer isto não foi retirado à Igreja há doze ou catorze séculos? Como, então, nos interessa o caso aí recordado, ou a decisão de nosso Senhor no tocante a ele?”
3. Talvez mais de perto do que se imagina comumente, visto que o caso proposto não é invulgar. Para que possamos retirar dele toda vantagem, pretendo mostrar, primeiro, em que sentido os homens podem agora expelir demônios, e de fato os expelem; segundo, o que devemos entender pela expressão: “Ele não nos segue”. Explanarei, em terceiro lugar, o preceito de nosso Senhor: “Não lho proibais”, concluindo com uma inferência tirada do conjunto.

I

1. Quero mostrar, primeiro, em que sentido os homens podem agora expelir demônios, e de fato os expelem. Para que se tenha um conceito claro no tocante a este assunto, lembrarei que, (segundo o registro bíblico), como Deus vive e opera nos filhos da luz, o diabo vive e opera nos filhos das trevas. Como o Espírito Santo possui a alma dos bons, assim o espírito mau possui a alma dos ímpios. Daí lhe chamar o apóstolo “o deus deste mundo”, dado o poder soberano que tem sobre os homens do mundo. Daí resulta que nossobendito Senhor o designa como “o príncipe deste mundo”, tão absoluto é seu domínio sobre o mundo. E daí afirmar S. João: “Sabemos que somos de Deus e” todos os que não são de Deus, “todo o mundo” en tw ponhrw keitai, não - está posto na maldade, mas “está posto no maligno”; vive e move-se nele, como os que não são do mundo vivem e movem-se em Deus.
2. Porque o diabo não é para considerar-se apenas como “um leão rugindo em torno e procurando” a quem possa tragar”; não meramente como um inimigo sutil, que se lança de improviso sobre as pobres almas e”leva-as cativas à sua vontade”, mas como o que nelas habita e nelas anda, que governa as trevas ou a maldade deste mundo (dos homens do mundo e todos os seus tenebrosos desígnios e ações), tomando posse de seus corações, ali estabelecendo seu trono e reduzindo todo pensamento à sujeição. Assim, o “forte homem armado guarda sua casa”; e esse “espírito imundo” algumas vezes “sai do homem”, com freqüência volta com “sete espíritos piores do que ele próprio, e entram, e habitam ali”. Nem pode ele ficar ocioso em Sua habitação. Está continuamente “operando” nesses “filhos da desobediência”. Neles opera com poder, com poderosa energia, transformando-os à sua própria semelhança, apagando todos os vestígios restantes da imagem de Deus e preparando-os para toda palavra e obra má.
3. É pois, uma verdade inquestionável, que o deus e príncipe deste mundo ainda possui a todos que. não conhecem a Deus. Somente a maneira pela qual ele agora os possui difere do processo dos tempos antigos. Então, com freqüência lhes atormentava o corpo assim como a alma, e isto abertamente, sem qualquer disfarce; agora ele lhes atormenta apenas a alma (salvo raras exceções), e fá-lo tão veladamente quanto possível. É clara a razão de semelhante diferença: seu objetivo era então levar a humanidade à superstição; por isso operava tão abertamente quanto podia. Agora, porém, seu objetivo é induzir-nos à infidelidade; por isso age tão cautelosamente quanto pode: quanto mais disfarçado se apresente, mais avassalador se torna.
4. Se dermos crédito aos historiadores, há regiões, ainda agora, onde o diabo opera tão abertamente como nos velhos tempos. “Mas, por que isto se dá somente em terras selvagens e bárbaras? Por que não na Itália, na França, ou na Inglaterra?” Por uma razão muito simples: ele conhece seus homens e sabe o que tem a fazer com cada um deles. Aos lapônios aparece desmascarado, porque seu objetivo é confirmá-los na superstição e na idolatria grosseira. Convosco seu propósito é diverso: deseja transformar-vos em vosso próprio í.dolo; fazer-vos mais sábios
a vossos próprios olhos do que o próprio Deus, do que todos os Oráculos de Deus. Ora, para conseguir isto, ele não deve aparecer em sua própria figura: tal conduta lhe frustraria os desígnios. Não: usa de toda sua arte para fazervos negar sua existência, até que vos apanhe despreocupados e a seu inteiro alcance.
5. Ele reina, pois, embora de modos diferentes, mas em caráter absoluto, tanto numa como noutra terra. Tem o alegre italiano incrédulo tão preso a seus dentes como O tártaro asselvajado. Mas ao que dorme profundamente na cova do leão, este é bastante prudente para o não despertar. Hoje o diabo somente brinca com o adormecido; quando lhe apraz, engole-o de uma vez.
O deus deste mundo colhe seus adora dores ingleses tão descuidados como os da Lapõnia. Mas não é de seu “interesse afligi-los, para que não aconteça que eles voem para o Deus do céu. O príncipe das trevas não aparece, conquanto reine sobre esses submissos filhos seus. O dominador concede a seus cativos a maior segurança, porque eles acreditam estar em liberdade. Assim, “o forte homem armado guarda sua casa, e seus bens estão seguros”; nem o teista, nem o cristão nominal suspeita de sua presença ali: deste modo, o dominador e os cativos vivem entre si na melhor harmonia.
6. Durante todo esse tempo o diabo opera nos possessos com energia. Cega-lhes os olhos do entendimento, de modo que a luz do glorioso Evangelho de Cristo não possa brilhar sobre eles. Acorrenta-lhes a alma à terra e ao inferno, com. cadeias forjadas pelas suas próprias afeições vis. Prende-os à terra pelo amor ao mundo, pelo amor ao dinheiro, ao prazer, à lisonja. E por orgulho, inveja, ira, ódio, vingança, leva sua alma à borda do inferno, agindo mais segura e impunemente, porque os homens não sabem que o diabo esteja agindo.
7. Quão facilmente podemos conhecer a causa por seus efeitos! Estes algumas vezes são grosseiros e palpáveis. Assim são eles nas mais”brilhantes nações pagãs. Não é necessário ir mais longe do que aos admirados, virtuosos romanos: acha-los-eis, quando no pináculo de sua erudição e de sua glória, “cheios de toda a injustiça, malícia, avareza e maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, dolo e malignidade; detratores, difamadores, aborrecíveis a Deus, insolentes, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais, insensatos, pérfidos, sem afeição natural e sem misericórdia”.
8. As partes mais fortes desta descrição são confirmadas por alguém que alguns julgam ser a testemunha mais insuspeita. Quero referir-me a seu irmão de paganismo, Dion Cassius, o qual observa que, antes que César voltasse da Gália, não só a glutonaria e a devassidão de toda espécie se praticavam aberta e escancaradamente; não só a falsidade, a injustiça e a crueldade dominavam tanto nos tribunais como no seio das famílias; mas os latrocínios mais ultrajantes, a rapinagem e os homicídios eram tão freqüentes em todos os recantos de Roma, que poucos homens saíam de casa sem fazer as disposições de última vontade, não sabendo se voltariam vivos!
9. Igualmente grosseiras e palpáveis são as obras do diabo entre muitos (senão na totalidade), dos pagãos modernos. A religião natural dos Creeks, Cherokees, Chickasaws e todos os outros índios que vagueiam pelos nossos territórios do sul, (não uns poucos homens, mas nações inteiras), é esta: torturam todos os seus prisioneiros, da manhã à noite, queimando-os afinal até que morram; e à mais leve ofensa involuntária, vêm pelas costas e atiram no próprio companheiro! Sim, é comum entre eles fazer o filho saltar os miolos ao próprio pai, se julga que este vive demasiadamente; e, quanto às mães, se estão enfadadas com os filhos, atam-lhes pedras ao pescoço e lançam-nos, três ou quatro deles, ao rio, um após outro!
10. Seria desejável que ninguém, exceto os pagãos, praticasse tais obras grosseiras, palpáveis, do diabo. Mas não ousamos dizê-la. Mesmo em crueldade e derramamento de sangue, quão pouco estão os cristãos aquém daqueles! Não foram só os espanhóis ou portugueses, massacrando milhares na América do Sul; não só os holandeses, nas Índias Orientais, ou os franceses na América do Norte, seguindo passo a passo os espanhóis: também nossos compatriotas têm brincado com o sangue, exterminando nações inteiras, com isto provando eloqüentemente qual o espírito que habita e opera nos filhos da desobediência.
11. Aqueles monstros quase nos fariam fechar Os olhos às obras do diabo que se praticam em nosso país. Mas, ai! não podemos abrir os olhos mesmo aqui, sem que as vejamos por todos os lados. Será pequena prova de seu poder o fato de os perjuros contumazes, ébrios, devassos, adúlteros, ladrões, salteadores, sodomitas, assassinos, serem ainda achados por todos os recantos de nossa terra? Como deve o príncipe deste mundo reinar triunfalmente sobre todos esses filhos da desobediência!
12. Menos abertamente, mas não menos eficientemente, o diabo opera nos dissimulados, maledicentes, mentirosos, difamadores; nos opressores e concussionários; nos perjuros, vendedores de seus amigos, de sua honra, de sua consciência, de sua pátria. E esses ainda falam de religião e consciência; de honra, virtude e espírito público! Mas não podem enganar mais a Satanás do que a Deus. Aquele do mesmo modo conhece os que são seus: e ele tem, hoje, sobre uma grande multidão, recrutada de todas as nações e povos, pleno domínio.
13. Se considerardes isto, não podeis deixar de ver em que sentido os homens podem ainda agora expelir
demônios: e todo ministro de Cristo os expele, se em suas mãos prospera a obra do Senhor. Pelo poder de Deus a cuidar de sua obra, o ministro traz os pecadores ao arrependimento: inteira mudança se opera, tanto no seu interior como no exterior, pensando de todo o mal para todo. o bem. E isto é, em sentido profundo, expelir os demônios das almas em que eles tinham até então habitado. O forte não pode por mais tempo guardar sua casa. Um mais forte caiu sobre ele e o expulsou, e dela tomou posse para si mesmo, e dela fez uma habitação de Deus pelo Espírito. Aí, pois, termina o poder de Satanás e o Filho de Deus “destrói as obras do diabo”. O entendimento do pecador -agora se ilumina e seu coração docemente pende para Deus. Seus desejos se apuram, suas afeições se purificam e, cheio do Espírito Santo, cresce em graça, até ser não apenas santo no coração, mas em toda maneira de conversação.
14. Tudo isso é, na verdade, obra de Deus. Só Deus pode expelir Satanás. Mas geralmente é de seu agrado fazer isso por meio do homem, como instrumento em suas mãos, o qual diz então expelir os demônios em seu nome, por seu poder e autoridade. E Ele envia a quem queira enviar para essa grande obra, mas usualmente do modo por que o homem Jamais havia pensando, porque “seus caminhos não são como os nossos caminhos, nem seus pensamentos como os “nossos pensamentos”. Escolhe, portanto, o fraco para confundir o forte; o insensato para confundir o sábio, pela simples razão de poder reservar a glória para si mesmo, para que “nenhuma carne se glorie em sua presença”.


(Colaboração de leitor)

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