segunda-feira, 12 de outubro de 2015

A misericórdia necessária

Viver a misericórdia

· Os trabalhos do sínodo ·

Um comboio que não consegue parar. Foi a imagem usada por um padre sinodal para descrever o risco de passar ao lado de muitas realidades humanas sem praticar a misericórdia necessária. Muitos padres referiram-se ao tema da misericórdia durante a quinta e a sexta congregações gerais, realizadas respectivamente na tarde do dia 9 e na manhã de 10 de Outubro, na presença do Papa Francisco.
Na congregação de sábado, os 253 padres sinodais presentes, sob a presidência do cardeal Napier, concluíram a segunda parte doInstrumentum laboris e iniciaram a terceira sobre o tema: «A missão da família hoje». Intervieram, entre outros, os cardeais Parolin, Montenegro, Ryłko, Thottunkal, Blásquez Pérez e os arcebispos Gómez, Pontier e Takami. Na recitação da Hora Terça, o arcebispo Ioannis Spiteris pronunciou a homilia, advertindo sobre o risco de considerar a santidade como o primado do sacrifício, do culto externo, em vez de a viver como a obediência amorosa a Deus testemunhada pelo mandamento do amor recíproco.
No debate sucessivo houve muitas referências ao tema da misericórdia. Que deve ser considerada uma obra de salvação e não de perdição, porque nela se encerra a justiça maior. Eis o convite à Igreja para que não acabe prisioneira de uma imagem estereotipada que a representa como «comunidade do não». É significativo, foi frisado , que Jesus não definiu o termo misericórdia, mas mostrou-o concretamente com a própria vida. Por outro lado, insistiram também sobre a necessidade de não contrapor misericórdia e justiça, misericórdia e verdade. Foi feita referência directa à questão da indissolubilidade do matrimónio e às aberturas pastorais em relação aos divorciados recasados civilmente. A Igreja, disseram, não se pode deixar condicionar por sentimentos de falsa compaixão pelas pessoas nem por modelos errados de pensamento, embora difundidos na sociedade.
Das muitas experiências apresentadas durante as intervenções emergiu o cenários da situação das famílias nos vários continentes, com as suas expectativas, as suas dificuldades e potencialidades. Em particular, foi salientada a necessidade de maior espiritualidade, de oração e de interioridade. Uma resposta possível à crise familiar poderia vir exactamente da palavra de Deus, porque através dela a família descobre plenamente o sentido do matrimónio. Por isso, os cônjuges devem aprender a deixar-se iluminar pela luz do Evangelho sem se deixarem influenciar pelas ideologias do momento. Precisamente para não ser homologada nos modelos imperantes, foi reafirmado que a família está no centro das atenções pastorais da Igreja. A qual, no respeito pelos papéis, chama a atenção dos governos para os graves atrasos das políticas familiares, inclusive nos sistemas considerados mais avançados. Em particular, ela recorda à atenção pública a necessidade de uma administração mais equilibrada dos bens comuns e do meio ambiente. Depois, convida a reflectir mais seriamente sobre a pressa de certas adaptações normativas que se referem à especificidade dos vínculos pessoais e sociais.
O debate sobre a terceira parte do Instrumentum laboris foi precedido pelo testemunho de Penelope e Ishwarlal Bajaj, casal hindu-cristão da diocese de Mumbai na Índia, os quais frisaram que a liberdade religiosa abriu o caminho à fecundidade do seu matrimónio. Em seguida, o cardeal Napier recordou que nesta fase do debate a atenção se concentra na relação entre família e evangelização, família e formação e família e acompanhamento eclesial.
Durante as intervenções da tarde de 9 de Outubro, na quinta congregação geral, com a presença do Papa Francisco e sob a presidência do cardeal Damasceno Assis, o confronto focalizou a família considerada escola, força missionária, vocação, mas também a expressão mais completa de solidariedade entre os membros que a compõem. Na presença de 249 padres sinodais, foram pronunciadas 23 intervenções programadas e 18 livres. Falaram, entre outros, os cardeais Tauran, Tagle, Müller, Poli, Sistach e Nichols, os arcebispos Chimoio, Smith, Paglia, o bispo Solmi e os religiosos Nicolás Pachón e Janson.
Uma das propostas emersas do debate foi celebrar um pré-sínodo para cada continente dada a diversidade de culturas, tradições, políticas e geográficas. Por outro lado, frisou-se também que a família se baseia em elementos válidos e valores partilhados noutras tradições religiosas. Por este motivo, ela é um lugar privilegiado para desenvolver um diálogo fecundo. Além disso, nas nossas sociedades cada vez mais globalizadas, multiculturais e multirreligiosas, o contributo que a família pode oferecer para a compreensão e integração é essencial. De facto, são precisamente as famílias cristãs que entram em contacto com pessoas de outras religiões e, por conseguinte, oferecem o primeiro testemunho do acolhimento da comunidade cristã. Neste contexto, não faltou um pensamento às famílias obrigadas a abandonar as próprias casas devido às violências, à busca de segurança e de melhores oportunidades de vida.
Contudo, foi reafirmado que a família não é só objecto de evangelização mas também uma escola onde se aprendem os valores sobre os quais se deve fundar a sociedade. Em particular, é uma escola de honestidade, integridade, misericórdia e justiça. Os reflexos do que acontece nela repercutem-se na quotidianidade. Portanto, se uma família é corrupta também a sociedade se corrompe.
O mesmo é válido para a capacidade que a família tem de socorrer quantos sofrem. Por isso ela deve abrir-se ao externo e curar as feridas das outras famílias. Uma abertura necessária como nunca: e é isto que muitos esperam do sínodo, invocando um impulso decisivo para reconhecer a força missionária da família.
Foi frisado também que a própria Igreja é uma família que deveria ter as mesmas atitudes em relação aos homens e mulheres necessitados de amor: divorciados, casais de facto, polígamos e quantos se sentem excluídos. Os padres sinodais foram convidados a olhar com compaixão para quem tem fome de misericórdia.
Diversos padres frisaram a importância da formação para o matrimónio. Houve quem convidou a instituir seis meses de «noviciado» para os casais que desejam casar na igreja, precisamente para que possam seguir um programa de acompanhamento na perspectiva do seu projecto de vida comum. Já existe uma experiência semelhante numa paróquia de Tóquio, na qual os cristãos casados acompanham os noivos por seis meses.
Os padres sinodais tinham começado a reflectir sobre a segunda parte doInstrumentum laboris já na manhã de sexta-feira, no encerramento da quarta congregação geral. Foram onze as intervenções, entre as quais as dos cardeais Vingt-Trois, Rivera Carrera, Scherer e Wuerl e dos arcebispos Bessi Dogbo e Palma. Entre os temas tratados: o matrimónio indissolúvel entre homem e mulher, como autêntica vocação da Igreja, a família como sujeito missionário, protagonista da nova evangelização e lugar privilegiado para fazer experiência do amor de Deus que salva, um sinal concreto de salvação e de esperança num mundo marcado por muitas zonas sombrias, crises e contradições. Durante as intervenções foi evidenciado que quando se fala de vocação, nem sempre estamos cientes de que o matrimónio é uma das vias privilegiadas de resposta à chamada universal à santidade; contudo, é preciso fazer de modo que esta consciência cresça porque os esposos «não se podem contentar com uma vida medíocre».
Os padres, por um lado, reafirmaram várias vezes o valor da indissolubilidade do matrimónio, por outro, a importância de manter uma atitude de paciência e de misericórdia para com quem não partilha ou não consegue viver em plenitude o que a Igreja anuncia. Por fim, é necessário ter «coragem, insistência e esperança», mas sobretudo misericórdia.
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